Os donos do mundo parte I

Você é um Sunday polvilhado com ovomaltine, pelo menos do ponto de vista das bactérias. Existem mais bactérias pastando pela sua pele do que gente vivendo no planeta.

Pra elas, seu corpo é um paraíso, um lugar cheio de oásis onde água e comida jorram o tempo todo. Cada um dos seus poros é como um restaurante onde tudo sai de graça. As axilas são as praças de alimentação mais concorridas, com glândulas que produzem as proteínas que eles mais gostam. Isso porque a pele nem tem tantas bactérias assim, comparado com a parte de dentro.

A realidade assusta.

Nosso corpo é feito de 10 trilhões de células, e abriga 100 trilhões de bactérias. Da próxima vez que se olhar no espelho, lembre-se: 90 % do que está ali não é você, mas uma mega-civilização de micro-organismos. Do ponto de vista das bactérias, somos uma parte bem pequena delas.

Nem precisa dizer que essa pancada de vida invisível coexiste em razoável harmonia com a gente. Limpam o intestino, ajudam na digestão e fabricam vitaminas. Cada uma de nossas células, aliás, já nasce com uma bactéria dentro: a mitocôndria, responsável por fornecer energia para elas. São os micro-motores que nos mantém vivos.

As bactérias podem até ser seres extremamente simples, compostas de uma única célula, tão pequenas que daria pra colocar três milhões delas na cabeça de um alfinete. Mas são seres vivos como qualquer outro....respiram, comem e se locomovem.

Os vírus são bem menores. Se eles tivessem o tamanho de uma pessoa, as bactérias seriam da altura do Cristo Redentor (748 metros). Eles são incapazes de respirar e comer para gerar sua própria energia, mas a vontade de se multiplicar está lá, igual a você e as bactérias, então eles pegam uma carona em quem podem, ou seja, nas células dos seres vivos. Então eles invadem as células e tomam controle das operações. Transformam a célula numa fábrica de novos vírus. Num zumbi á seu serviço.

Os vírus conseguem invadir as células por que elas têm “fechaduras” violáveis. E cada tipo de vírus tem a chave pra entrar em um tipo de célula. Se a chave que o HIV carrega fosse para outro tipo de célula, a AIDS não existiria e seria um vírus sem nada de mais.

Só continuamos vivo em meio ao bombardeio de vírus, que é diário, por um motivo: Nosso sistema de defesa é incrivelmente complexo. Essa defesa começa na pele, que é coberta por células mortas, e os vírus não infectam células mortas por que......estão mortas. (Comer células mortas é o trabalho de outros seres.....bem maiores do que as bactérias – são os ácaros. Existem milhões deles na sua cama neste exato momento.....rssss!)

Mas quando os vírus entram em nosso organismo é que se deparam com nossas armas mais sofisticadas: os linfócitos, ou glóbulos brancos, que são células feitas para matar, que atiram primeiro e perguntam depois...

Todos os dias, nosso corpo produz 100 milhões de linfócitos. Cada um capaz de reconhecer um tipo de vírus.

Como o nosso corpo sabe quais vírus existem por aí? Eles não sabem, então atiram pra todo lado produzindo linfócitos capazes de reconhecer qualquer combinação de proteínas possíveis. Se um vírus penetrar seu corpo, um desses de linfócitos vai reconhecer a célula infectada. E quando isso acontece, rola uma operação quase mágica. O linfócito começa a se dividir, criando um verdadeiro exército de clones especializados em destruir a célula contaminada com aquele vírus. Esse processo todo demora alguns dias. Nisso, o vírus têm tempo de se multiplicar e causar os sintomas da doença antes de ser atacado. Mas uma vez que exército de clone se forma, ele fica pra sempre no seu corpo. Continuará fazendo patrulha para o resto da sua vida, È por isso que, quando você pega uma infecção viral, acaba sendo imunizado contra ela pra sempre. Não foi que seu corpo aprendeu a combater a doença......ele já sabia antes.

É assim que as vacinas funcionam - Os médicos injetam partes de vírus, deixam você doente, mas seu corpo inicia uma produção em massa de clones contra ela, e eles vão ficar no seu corpo, te protegendo pra sempre.

Se existisse uma enciclopédia de 30 volumes listando tudo o que existe neste planeta, 27 volumes seriam para descrever vírus e bactérias, os verdadeiros donos do mundo.

Noel Gomes

Fonte: Revista Superinteressante 08/2009